Cultura
Pelotas como região doceira
Iphan deve encerrar até o final do ano o processo de reconhecimento às tradições na produção de doces finos e coloniais feitos à base de frutas
Paulo Rossi -
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deve encerrar até o fim do ano o processo de reconhecimento das duas tradições que distinguem Pelotas como região doceira: os doces finos e os coloniais feitos à base de frutas. Entram no registro ainda os municípios de Arroio do Padre, Capão do Leão, Turuçu e Morro Redondo, que originalmente pertenciam a Pelotas.
O Inventário Nacional de Referências Culturais efetuado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) sobre a produção doceira consta de dois volumes (cada um referente a uma das duas tradições), tomou por base a metodologia do Iphan e remonta à produção desde o século 19, quando era mais urbana e associada ao charque. Começou nas casas e depois ganhou as confeitarias, mas foi sofrendo atualizações e ampliações em seu sentido, explica a técnica Beatriz Muniz Freire, do Iphan/RS. Entram nesse contexto os doces de bandeja utilizados nas terreiras, como oferendas aos orixás, que antes eram apenas associados ao consumo refinado. O entendimento é que a colocação dos produtos na esfera religiosa de matriz africana é muito positiva.
“O doce é oferecido ao orixá para receber doçura, o que é uma ampliação do sentido”, comenta, ao esclarecer que para o Iphan são conhecimentos, processos com base social que se transformam no tempo. Ou seja, o recebimento de ensinamentos transmitidos. Relacionar passado, presente e futuro. Na avaliação do Iphan, a tradição tem base coletiva e continuidade no tempo, com a transmissão de conhecimentos de geração para geração. “As formas se diversificam, mas há continuidade. Para nós tradição é isso”, acrescenta.
Conforme Beatriz, o Iphan apoia a realização e a atualização de conhecimentos. Os doces de frutas estão nesse contexto, embora pouco consagrados. Começaram a ser feitos em áreas onde funcionavam as charqueadas, transformadas em colônias para receber os imigrantes, quando foi introduzido o uso de frutas como o pêssego.
A tradição dos doces coloniais não é tão valorizada e os pequenos produtores sofreram com o tempo a ação da Vigilância Sanitária, com exigências, segundo Beatriz, que não têm condições de cumprir. As dificuldades da classe provocam a descontinuidade, analisa a representante do Iphan/RS, que frisa, no entanto, reconhecer a necessidade de fiscalização. Considera que há muitos problemas, por isso precisa haver debate, para o que o Iphan está aberto.
Tradição de 20 anos
Onélia Mendes Leite, conhecida doceira pelotense, considera realmente haver muita discriminação entre os produtores de sua categoria, de doces que não são de confeitarias. “O cristalizado parece ser feito com sal, não com açúcar”, reclama. No entanto, faz questão de salientar que é um doce saudável por ser de fruta, além de fácil transporte, podendo ser levado para qualquer parte do mundo e chegar intacto.
Onélia critica a burocracia e diz que a crise também atingiu o setor. Mas as vendas para outros estados e a realização da Fenadoce tornam a comercialização bastante acentuada. Ela trabalha com cristalizados, chimias, ambrosia, entre outros. Produz de 300 a 400 quilos de doces ao mês.
Processo e etapas
O Iphan aceitou, com base no Inventário, o redirecionamento de Pelotas para região doceira, abraçando as duas tradições. “Está perto do fim”, completa, ao se referir ao processo iniciado em 2006, com o início da realização do documento, aponta a professora de Antropologia da UFPel, Flávia Rieth. O Inventário foi concluído em 2008 e em 2010 solicitado o registro ao Iphan, que emitiu parecer favorável em 2013. O historiador Mario Osorio Magalhães foi o consultor para a elaboração dos dois volumes.
O processo passou por uma série de etapas. Confira
#Identificação da tradição doceira
#Documentação dessa tradição
#Construção do conhecimento para valorização
#Proposição de ações de salvaguarda
#Indicação dos bens e contextualização
Bens de tradição
Coloniais
- Pessegada
- Compota de pêssego
- Figo cristalizado
- Passa de pêssego
- Origone
Doces finos
- Fatia de Braga
- Amanteigado
- Ameixa recheada
- Camafeu
- Ninho
- Pastel de Santa Clara
- Quindim
Oficina
Teve início ontem e ocorre até amanhã, na Embrapa Clima Temperado, a 1ª Oficina de Concertação Embrapa/Iphan para articular a atuação das unidades locais e regionais das duas instituições no que se refere ao patrimônio cultural imaterial, aos sistemas agrícolas tradicionais e à sociobiodiversidade para identificação e fortalecimento das ações associadas à agrobiodiversidade.
A região doceira de Pelotas enquanto patrimônio, o inventário e a construção do registro foram debatidos ontem por Beatriz Muniz Freire, do IPhan/RS, e teve como moderadores João Roberto Correia (Embrapa) e Natália Brayner (Iphan). Na tarde desta quarta-feira (7) está prevista, entre outras atividades, roda de conversa com as doceiras na Fenadoce, informa o supervisor de Prospecção e Avaliação de Impactos de Tecnologia da Embrapa Clima Temperado, Daniel Aquini.
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